A estética Butoh norteou a pesquisa temática do inverno 2020 da Apartamento 03. Assim como Kazuo Ohno ( dançarino e
coreógrafo japonês, considerado um mestre do teatro butô, arte que mistura dança e artes dramáticas) observou as tensões sociais em meio ao mundo do pós-guerra, o estilista
Luiz Cláudio Silva também se sensíbilizou com os conflitos contemporâneos. E propõe uma delicada pergunta: em tempos
sombrios é possível poetizar os corpos através da moda? A resposta inspiradora vem
na nova linha da marca: o designer
retoma um dos mandamentos do
Butoh para propor uma experiência de devir: a dança alquímica de Si.
“O gesto que escolhemos ao nos vestir e
ornamentar é uma forma de ficção de nós mesmos.
Idealizamos um outro corpo, livre para
conceber sua vida, sua morte e seu
renascimento.
Durante o desfile, na São Paulo Fashion Week, Jõao Butoh (bailarino,
coreógrafo e mestre de Butoh) fez uma homenagem performática à Kazuo Ohno. Depois disso, vieram os looks,
cada um representando a dimensão do
encontro com a essência, e nos induzindo a pensar o quanto os nossos corpos são
moldados pelas roupas que vestimos.
“As peças da coleção são sóbrias, atemporais, apoiadas no conceito mínimalista. As roupas são vazias, mas prenhes de possibilidades e, ao portá-las, o corpo revela a potência da (trans)formação: a alma revela-se pela forma. Ao analisar os vestidos e casacos, onde foram impressas fotos da face de Kazuo Ohno (retratadas por Emidio Luisi), lembramos de sua máxima: “não é preciso dançar no ritmo da música. O ritmo interior é mais importante”, revela Luiz Claúdio.
Sedas, tules, crepes enaltecem a liberdade da silhueta e da forma de cada corpo, sem padrões impostos. Os shapes valorizam as mais diversas estruturas corporais. Os ternos mais amplos, os vestidos soltos e evasês sugerem os “tecidos com memória”, ou seja, as roupas dos antepassados que eram herdadas de geração em geração; e que traziam, em sua forma e superfície, uma rede de histórias e afetos.
“A dança das sombras é uma reflexão
sobre a intensidade espiritual que nossos gestos cotidianos podem conter. O
movimento de nos vestir, assim como a dança de Kazuo Ohno, pode ser um ato de
resistência a partir do qual criamos outras ficções de vida”, comenta o
estilista da grife.
Fotos: Márcia Fasoli |
As cartela de cores expressa a alquimia do processo de mutação e sobrevivência: brancos, cinzas e pretos remetem à transição das trevas para a luz. Os calçados, compostos por crisálidas (Virgínia Barros), propõem uma concepção de caminhar para os corpos conscientes da sua gravidade carnal, mas atentos à leveza de espírito.
Já a fluidez das luvas é notória e reveladora:
elas não desempenham nenhuma “função” protetora, mas refletem o trabalho imaginário que mobiliza as
extremidades dos corpos a expressarem os afetos cotidianos.
Mais informações: @apartamento03
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