Angela Detanico e Rafael Lain são artistas
que adotam a linguagem como tema e objeto de sua obra. A partir de 19
de janeiro de 2019, a dupla apresenta Meteorológica, mostra realizada no Espaço Cultural Porto Seguro,
em São Paulo.
Com curadoria de Rodrigo Villela,
a expo apresenta um conjunto de 14
trabalhos, a maior parte deles instalações inéditas, criadas a partir das mais
variadas linguagens artísticas. Vídeos, textos, animações, objetos, esculturas
e instalações conduzem o visitante a um processo de reflexão e
constituição do conhecimento.
“A dupla Detanico Lain parte de
uma pesquisa de representação para a criação de uma linguagem rica de significados
e repleta de poesia”, informa o curador. “Muitos dos trabalhos dialogam
diretamente com o nosso espaço. O percurso, por si só, possui uma narrativa
própria. A mostra ganha corpo e reverbera na dimensão do aqui e agora”,
completa.
Transparência x Opacidade
Em uma área do Espaço Cultural
Porto Seguro, que é ao mesmo tempo
interna e externa, um trabalho site-specific já instiga a curiosidade de quem trafega pela rua. No corredor envidraçado e panorâmico
que conecta dois dos pavimentos do centro cultural, colunas de larguras
diversas em vinil preto sucedem umas às outras. A alternância entre
transparência e opacidade traz ritmo à entrada da luz no espaço e também entre
o dentro e o fora. As faixas de diferentes larguras são na verdade um alfabeto
criado pelos artistas e apresentam ao público o título da exposição: Meteorológica.
“O nome da mostra vem de um
tratado homônimo de Aristóteles, em que o filósofo grego fala das coisas
físicas do mundo natural. São teorias criadas pela observação e descrição
dos fenômenos físicos, materiais, do
planeta. Essa é uma ideia que permeia toda a exposição”, destaca Angela
Detanico. “Nessa mostra, tentamos criar um microcosmo. Nesse sentido,
fazemos referência também ao Japão, adotando uma concepção japonesa do jardim,
marcado por um espaço reduzido, mas que evoca a paisagem das montanhas, dos
mares, do oceano”, complementa Rafael Lain.
Roteiro da Mostra
Logo na entrada principal do
espaço expositivo, sobre uma parede inclinada, a projeção de Cachoeira do céu (2018),
vídeo que parte do procedimento de “alongar” verticalmente os pixels de
uma fotografia digital do céu, desenhando sobre o suporte uma cachoeira de luz.
Em seguida, o visitante se depara com Da luz ao paraíso (2018), escultura
em aço patinável, que traz um percurso
gráfico entre dois bairros paulistanos,
configurado conforme sua topografia e seguindo um trajeto afetivo, opção
de caminhada dos dois artistas, que já viveram em São Paulo. À
frente, Analema (2015) poema
escrito na forma de um calendário infinito, em que cada letra corresponde a um
dos 365 dias do ano. O percurso da escrita na parede remete à figura que
simboliza o infinito.
Na mesma sala, Ulysses (2017),
uma animação construída com o texto do romance homônimo de James
Joyce. As palavras dão forma a uma silhueta humana, que parece caminhar, apesar
de estar fixa em um ponto único. A história avança a cada passo
do personagem - a sequência de passos revelando a sequência de frases. Uma
jornada tal qual a de Leopold Bloom, protagonista do autor irlandês, que, ao
longo de 18 horas, transita pelas ruas
de Dublin de 1904.
No mezanino, Nuvens de São Paulo (2018),
vídeo projetado em uma das paredes, que
traz um poema de Memórias
sentimentais de João Miramar, romance marco do modernismo
brasileiro, obra-prima de autoria de Oswald de Andrade. Com diferentes graus de
desfoque, as palavras flutuam no ar e
aos poucos esvanecem.
Ao seu lado, 28 luas (2014),
vídeo de 28 minutos que traz o ciclo de 28 dias da lua formado por frases do
livro Sidereus nuncius, obra
do século XVII, de Galileu Galilei.
Esta é considerada o primeiro tratado científico baseado em observações
astronômicas realizadas com um telescópio, com uma descrição minuciosa da
superfície da lua. As frases aparecem e desaparecem em um movimento de foco e
desfoco, que recria a experiência da observação de um corpo
celeste através de uma luneta.
Sob os céus, o mar. Formada com
minúsculos grãos de sal, a instalação Onda (2010) apresenta a própria
palavra que lhe dá título por meio de um alfabeto criado pela dupla. De forma metalinguística,
a nova linguagem é caracterizada por ondas de
diferentes comprimentos. No sistema, inventado pelos artistas, a letra
A, por exemplo, é uma onda curta, um pequeno suspiro. Já a letra
Z, no fim do alfabeto, é uma onda larga, mais longilínea. No
caso da obra, quatro curvas concretizam a palavra onda.
Visita que segue...
No subsolo do Espaço Cultural
Porto Seguro, o visitante se depara com Quadrado branco, traduções visuais e
em movimento de três poemas do japonês Kitasono Katue, um dos mais importantes
poetas de vanguarda do Japão –Espaço monótono,
Un autre poème e Gestalt
do branco.
Mares da lua (2018) é
uma videoinstalação onde nomes como Mar da Tranquilidade, Mar da Chuva, Mar das Ilhas etc são
projetados sobre o chão. Os termos designam planícies basálticas que, vistas da
terra, formam manchas escuras na superfície da lua – onde, por algum tempo,
acreditou-se que houvesse água. Como gotas, pequenos feixes de luz mancham
o piso em círculos de pedriscos brancos, que enunciam cada um dos
“mares”, pouco a pouco, quase como um sussurro, ao mesmo tempo em que
remetem aos jardins japoneses da tradição zen budista.
Pintura mural sobre um fundo
preto, Alguma coisa
está fora da ordem (2018) traz a frase que dá título à
obra escrita segundo o sistema “timezonetype”. Criado em 1802 pelo astrônomo e
físico norte-americano Nathaniel Bowditch, o sistema associa uma letra do
alfabeto a cada uma das 24 divisões de fuso horário do globo. Na obra, o
resultado é um novo mapa-múndi, mescla de familiaridade e estranhamento com a
representação cartográfica do planeta Terra.
Não por acaso, logo ao
lado, Ruído branco (2007),
vídeo que toma uma imagem fotográfica feita por satélite da floresta amazônica,
que vai sendo apagada gradualmente. Aos poucos, a mata é tomada por pontos
brancos, até desaparecer, ao mesmo tempo em que o aumenta o “ruído
branco” da instalação – termo usado para designar sons que o ouvido humano
não consegue distinguir como portadores de algum significado, ou cuja
fonte não pode ser identificada.
Final imperdível
Na última sala da exposição são
apresentados os principais registros documentais da produção da dupla: vídeos
especialmente desenvolvidos para a exposição e catálogos das principais
exposições mundo afora.
Por fim, já no pátio externo,
duas obras: Percurso (2018),
escultura metálica construída mais uma vez por um dos códigos concebidos pela
dupla. A palavra que a intitula ganha forma a partir de um sistema de
equivalência entre barras metálicas e a ordem alfabética. Na fachada do
prédio, Entre o
ontem e o amanhã (2018) uma grande instalação de neon que
chama a atenção para seu traçado irregular: é o registro gráfico,
tridimensionalizado pela dupla, da linha de fuso horário que determina a
mudança de data no calendário, passando de um determinado dia para o seguinte.
No mesmo mundo, na mesma hora, nesta linha imaginária é possível que o ontem
conviva com o amanhã.
Para
Rodrigo Villela, curador da mostra, "a poética da dupla se dá tanto pela
abordagem frontal como pelas temáticas contundentes – ao tratar de questões
universais de maneira tão peculiar, os artistas transformam conceitos muitas
vezes eruditos em obras de uma força visual potente, que dialogam com
diferentes tempos, geografias, histórias e literaturas. Vem daí muito da força
e do interesse que despertam”, aponta.
Sobre os Artistas
Angela Detanico e Rafael Lain
trabalham juntos desde 1996. Semiologista e designer gráfico, nascidos
respectivamente em 1974 e 1973, em Caxias do Sul (RS), moram e atuam em Paris.
Seus trabalhos, em grande parte conceituais, mesclam gráficos, textos, sons e
vídeos, quase sempre imbuídos de referências científicas, matemáticas e
literárias.
“A gente só diz que um trabalho
acontece quando os dois se apropriam muito de determinado processo, e isso
passa por intensos diálogos e discussões.
É uma pesquisa que nasce da curiosidade pelo mundo. Pesquisamos para
tentar dar conta do mundo em que a gente vive por meio da
arte”, afirma Detanico. “Mesmo que seja uma prática artística, o percurso é
realmente filosófico”, completa Lain.
Em 2002, a dupla participou de
uma residência artística na capital francesa, no Palais de Tokyo. Dois anos
depois, venceu o Nam June Paik, um dos mais prestigiados prêmios
internacionais. No mesmo ano, em 2004, Angela e Rafael participam da Bienal de
São Paulo, feito que se repete nas duas edições seguintes, em 2006 e 2008.
Nesse meio tempo, em 2007, representaram o Brasil na 52ª Bienal de Arte de
Veneza.
Ainda em
Paris, a dupla deu início a um projeto de colaboração com dois coreógrafos de
Quioto, o que rendeu ao casal algumas temporadas no Japão, e, consequentemente,
a participação em bienais e exposições pelo país asiático.
“A
exposição começou a ganhar forma depois de nossa visita ao espaço. Os
desníveis, que para muitos poderiam soar como um desafio, sugeriram
uma topografia para a ideia que tínhamos em mente, a de construção de uma
paisagem artificial, da racionalização do ambiente natural, tal qual um jardim
japonês”, afirma Lain.
No Brasil, os artistas já participaram de uma série de exposições coletivas e individuais.
SERVIÇO
Meteorológica, mostra
de Angela Detonico e Rafael Lain
Local: Espaço
Cultural Porto Seguro
Endereço: Al.
Barão de Piracicaba, 610. Campos Elíseos – São Paulo, tel.(11) 3226-7361
Período expositivo: de
19 de janeiro até 7 de abril
Visitação: de
terça a sábado, das 10h às 19h; domingos e feriados, das 10h às 17h
Entrada gratuita
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